Reportagem do jornal Valor Econômico destaca nesta quinta-feira, 19 de novembro, que as grandes empresas do Brasil estão desistindo da ideia de implantar o home office em tempo integral. Votorantim, Marisa, MRV, Copersucar, CPFL, Pepsico, Evoltz, Unipar e outros grandes conglomerados do Brasil estão revendo o home office. A medida visa preservar a saúde mental dos trabalhadores, que tem sido afetada com o trabalho em casa. Além disso, a ausência de trabalho presencial prejudica a interação entre as pessoas e causa queda de produtividade. A solução pode estar no trabalho flexível: parte presencial e parte remoto.
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Veja, abaixo, o texto do jornal Valor Econômico.
Empresas brasileiras esboçam planos para receber um maior número de funcionários nos escritórios em 2021. O retorno tem sido considerado necessário para preservar a saúde mental de funcionários e a cultura das empresas. Mas, quando as medidas de combate à pandemia forem eliminadas, modelos mais flexíveis de trabalho irão prevalecer.
Na sede da holding Votorantim S.A., na zona Sul de São Paulo, cerca de 40% dos cerca de 80 funcionários estão executando suas atividades presencialmente. Com alguma flexibilidade, explicou o diretor financeiro, Sérgio Malacrida, pois elas podem trabalhar uma parte do dia e ir para casa ou até não comparecer em um dia da semana. Mas o plano é que o trabalho presencial, com a disponibilidade da vacina e todos já seguros frente à pandemia, retorne aos 100%. “Os ganhos de produtividade e qualidade são enormes, pois permite maior interação e manter a cultura da empresa nas discussões”, diz Malacrida.
Na Unipar, maior fabricante de cloro-soda e segunda maior produtora de PVC na América do Sul, o home office em tempo integral deve ser uma realidade em 2021 apenas para a área de serviços ao cliente. No administrativo, o presidente Maurício Russomanno diz que a experiência de trabalho remoto na pandemia mostrou que esse sistema funciona adequadamente, mas tem tempo de validade. “Se a empresa já tem processos estabelecidos, uma cultura consolidada, as coisas acontecem na inércia em um primeiro momento. Mas a partir de determinado ponto, há perda de qualidade”, afirma.
Trabalho remoto gera angústia
“A decisão de voltar ao escritório denota uma preocupação das empresas de estarem perdendo o que é subjetivo, o que não é possível conseguir de forma remota e que faz diferença”, avalia a consultora Betania Tanure, da BTA. Antonio Salvador, diretor-executivo da Mercer, considera que há muitos aspectos de cocriação que estão funcionando bem no remoto, como análise de dados, squads de desenvolvimento e preparação para reuniões. “Mas o presencial é fundamental para as conexões, para o debate de ideias e de novas estratégicas. E, mudar uma cultura remotamente, é muito mais difícil”, diz Salvador.
A questão da cultura, onde o presencial ajuda na cocriação e no engajamento, também pesa para a incorporadora MRV. O plano do copresidente Rafael Menin é manter um modelo de trabalho pós-pandemia, onde o presencial envolva mais de 85% da força de trabalho administrativa. A Evoltz, que atua em linha de transmissão de energia, diz que o trabalho no escritório funciona como um “indutor de crescimento” e é mais eficiente para o negócio. Para o retorno seguro de 95% dos cerca de 100 funcionários, a partir de setembro, investiu R$ 2 milhões. Entram na conta a readequação dos escritórios no Rio e Brasília e o custeio de táxi para funcionários que não vêm de carro. “Quando mantivemos todo mundo em casa, o trabalho funcionou bem. Mas nós sentíamos as pessoas mais cansadas e angustiadas estando distantes. O desejo da maioria era voltar”, diz João Batista Nogueira, CEO da Evoltz.
Trabalhadores esgotados: insatisfação cresceu ao longo da pandemia
Na construtora Tecnisa, 15% dos funcionários estão dando expediente no escritório. A empresa abriu as portas há um mês e meio ao perceber, segundo o presidente Joseph Nigri, que as pessoas estavam esgotadas de trabalhar em casa e nem todas se acostumaram ao home office. Voltou quem quis e mais gente gostaria de ir, diz Nigri, não fosse o fato de morarem com familiares do grupo de risco ou depender do transporte público. Para 2021, o plano é deixar apenas um dia de home office.
Na concessionária de rodovias, CCR, o retorno começou há mais tempo, mas se deu pelo mesmo motivo. “A relação pessoal é muito importante. Eu mesmo me surpreendi com pessoas que, de início, gostaram do home office e hoje querem voltar ao escritório”, diz Marcus Macedo, superintendente de relações com investidores da CCR. A satisfação dos brasileiros com o home office caiu de 71,3% em fevereiro, antes da pandemia, para 57% em março. Foi para 45% em junho, quando o trabalho remoto se tornou permanente, segundo levantamento da Orbit Data Science. Nos meses seguintes, houve uma adaptação de muitos profissionais, mas o percentual dos insatisfeitos foi de 43% em outubro. Essa percepção foi capturada com uma análise de 5 mil comentários sobre o tema em três redes sociais (Twitter, Facebook e Instagram) e portais de notícias.
Sobrecarga, distração e saudades dos colegas
Do lado de quem critica o home office, há justificativas envolvendo a sobrecarga de trabalho, adaptação ruim (ocasionando dores nas costas e estresse), distrações e saudades dos colegas. Quem elogia fala em flexibilidade e em aconchego. “Observamos uma crise de imagem do home office e, em outubro, há uma polarização entre quem deseja voltar e quem deseja ficar”, diz Caio Simi, CEO da Orbit Data Science.
Solução pode ser horário flexível
Encontrar um formato de trabalho que atenda a esses dois lados é o desafio atual das companhias que esboçam planos para um modelo de trabalho “híbrido” em 2021. “O formato 100% em “home office” está desgastado, e o modelo 100% presencial está esgotado”, diz Nigri, da Tecnisa. O que irá variar daqui para frente, dependendo do negócio e da cultura, é para qual lado esse pêndulo irá, avalia José Cláudio Securato, CEO da escola de negócios Saint Paul. Daniel Randon, CEO da Empresas Randon, conglomerado do setor de transportes, diz que a companhia busca esse “meio termo”, já que muitas pessoas se adaptaram bem ao home office, mas a empresa acredita “na importância da interação presencial”.
Na Copersucar, comercializadora de açúcar e etanol, o retorno presencial do administrativo (35% do efetivo) depende da evolução do cenário de saúde pública, mas deve ocorrer com um regime de três dias em casa e dois no escritório. Já a Natura, multinacional brasileira de cosméticos, constatou que o home office pode ser produtivo, mas como é uma empresa “que preserva as relações”, deve seguir em um formato híbrido. “Até pelo nosso modelo de negócio: é preciso estar presente, ver o produto e experimentá-lo”, diz Roberto Marques, presidente da Natura & Co. Uma experiência de um formato híbrido ocorreu recentemente em uma reunião de conselho, com conselheiros presentes e outros on-line, especialmente os que estão no exterior. “Acho que esse modelo vai ser o caminho”, diz Marques.
A Químico Amaro, empresa de produtos de limpeza no Brasil dona das marcas Ypê, Assolan e Perfex, diz que trabalha em um formato onde os benefícios do home office (aproximação maior com os clientes nas reuniões virtuais, além da produtividade) seja aproveitado, mas os efeitos negativos mitigados. “Pesquisas mostram que um dos efeitos colaterais do trabalho remoto é o impacto na aprendizagem dos mais jovens. A disseminação da cultura e a troca de ideias e inovação também são prejudicadas”, diz Waldir Beira Jr, CEO da Químico Amaro.
O que é consenso nesse movimento é que, quem voltará, não encontrará os escritórios da mesma maneira ou tamanho. A Marisa, rede varejista especializada em moda feminina, entregou 30% dos escritórios para seguir um formato que prevê o trabalho duas vezes presencial e três dias em casa. “Vimos melhorias com o home office, como qualidade de vida para nossos colaboradores, redução de custos de transporte e despesas de alimentação, mas acreditamos que deve haver equilíbrio, com atividades presenciais que permitam haver interação entre as pessoas”, diz o presidente Marcelo Pimentel.
A subsidiária brasileira da farmacêutica francesa Aspen Pharma estuda reduzir a metragem do seu escritório nos próximos 12 meses e trabalhar um times dez dias presencial e o restante do mês em casa, segundo Alexandre França, presidente da operação no país. Enquanto na Hidrovias, que atua em logística com foco em cabotagem, o escritório está em obras para poder receber parte dos funcionários de volta e, na EDP Brasil, que atua em transmissão, comercialização e serviços de energia e tem 10 mil funcionários, uma nova sede está sendo montada. A mudança, que envolveu a devolução de dois escritórios da empresa em São Paulo, visa montar um espaço adequado aos fatores de risco que surgiram com a pandemia (ar condicionado, elevadores e locais fechados com pouca distância entre as pessoas).
Na companhia de educação Cogna, holding da Kroton, de 15% a 20% dos 28 mil funcionários que foram ao trabalho remoto no início da pandemia voltaram a frequentar o escritório um ou mais dias da semana. A empresa estuda três opções para o modelo híbrido que quer instituir em 2021 - as duas primeiras valorizam o escritório, que foi criado para gerar colaboração e trabalhar em métodos ágeis e a terceira pressupõe algumas áreas com 100% home office, segundo Fábio Lacerda, VP de gente, cultura e inovação da Cogna. Na visão de executivos e CEOs, embora a cultura presencial seja desejada quando o retorno completo for possível, há uma percepção de que “uma solução única não funciona para todos” e que é preciso flexibilizar formatos para atrair e reter talentos diversos.
“É uma situação que exige equilíbrio, para avaliar qual é o grau “ótimo” de home office no nosso negócio. Mas a companhia precisa ser flexível, até para ampliar suas possibilidades na hora de buscar talentos”, diz Gustavo Estrella, presidente da CPFL, grupo do setor de energia brasileiro.
Para Roberto Aylmer, professor da Fundação Dom Cabral, se a empresa forçar a volta de todos ao presencial, pode perder bons profissionais. “Muita gente descobriu vantagens de estar em casa, inclusive, com a maior proximidade com a família”, diz. Miguel Setas, presidente da EDP Brasil, também defende que o home office permite à companhia recrutar talentos em qualquer lugar do mundo. Nesse momento, a empresa está classificando quem poderá ficar em casa de forma integral e quem voltará ao escritório metade da semana. “O formato do modelo de trabalho, mais home office ou mais presencial, será um novo parâmetro: para candidatos escolherem onde querem trabalhar e para empresas contratarem quem se adapta melhor à sua cultura”, diz Securato.
Nesse movimento, há também grandes empresas que olham para 2021 com flexibilidade total. A agência de publicidade África diz que no pós-pandemia irá vigorar o modelo “Home e Studios”, onde as pessoas poderão trabalhar de qualquer lugar, inclusive no exterior. Mas o escritório continuará disponível porque, no fim, “nada substitui estar ao lado da pessoa, tomar aquele cafezinho para saber como estão as coisas e conversar ‘olho no olho’”.
Presencial ou remoto: a saúde mental deve ser observada
A PepsiCo, dona de 23 marcas em alimentos e bebidas como Toddy, Doritos e Gatorade, também investe em um programa no qual 1. 000 funcionários do administrativo terão a escolha entre trabalhar de onde quiserem ou do escritório, assim que ele for reaberto. “O objetivo é respeitar a individualidade de cada um”, diz Fabio Barbagli, VP de RH da PepsiCo Brasil. Na visão de Tatiana Iwai, professora de comportamento organizacional do Insper, não existe consenso sobre qual nível de flexibilidade ou qual grau de cultura presencial é necessário para uma melhor gestão de pessoas.
O que as empresas precisam mapear nesse momento é a saúde mental de quem está voltando ao escritório. E, do outro lado, se quem está remoto está se sentindo incluído, participando das decisões e projetos e não sendo um mero observador do negócio. Encontrar um jeito novo de fazer as coisas não é trivial, lembra Betania Tanure, e rebate diretamente na cultura e na estratégia. “As competências das pessoas não existem sozinhas, dependem do ambiente, mesmo as mais objetivas. “É preciso construir novos indicadores que tenham consistência e contemplem quem está dentro e quem está remoto”, diz.
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Fonte: Jornal Valor Econômico.
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